quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Mitos


CAMPBELL: Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida. Os mitos têm basicamente quatro funções.


A primeira é a função mística – e é disso que venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e vivenciando o espanto diante do mistério. Os mitos abrem o mundo para a dimensão do mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar, você não terá uma mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o universo se tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo ao mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira.


A segunda é a dimensão cosmologia, a dimensão da qual a ciência se ocupa – mostrando qual é a forma do universo, mas fazendo o de uma tal maneira que o mistério, outra vez, se manifesta. Hoje, tendemos a pensar que os cientistas detêm todas as respostas. Mas os maiores entre eles dizem-nos: “Não, não temos todas as respostas. Podemos dizer lhe como a coisa funciona, mas não o que é”. Você risca um fósforo – o que é o fogo? Você pode falar de oxidação, mas isso não me dirá nada.


A terceira função é a sociológica – suporte e validação de determinada ordem social. E aqui os mitos variam tremendamente, de lugar para lugar. Você tem toda uma mitologia da poligamia, toda uma mitologia da monogamia. Ambas são satisfatórias. Depende de onde você estiver. Foi essa função sociológica do mito que assumiu a direcção do nosso mundo – e está desactualizada.


MOYERS: Como assim?


CAMPBELL: Princípios éticos. As leis da vida, como deveria ser, na sociedade ideal.


Todas as páginas e páginas de Jeová sobre que roupas usar, como se comportar diante do outro, e assim por diante, no primeiro milénio antes de Cristo. Mas existe uma quarta função do mito, aquela, segundo penso, com que todas as pessoas deviam tentar se relacionar – a função pedagógica, como viver uma vida humana sob qualquer circunstância. Os mitos podem ensinar lhe isso.

MOYERS: Quer dizer que a velha história, conhecida há tanto tempo e transmitida através de gerações, continua vigorando, e ainda não conseguimos aprender uma nova?


CAMPBELL: A história que temos no Ocidente, na medida em que se baseia na Bíblia, baseia se numa visão do universo que pertence ao primeiro milénio antes de Cristo. Não está de acordo nem com nossa concepção do universo, nem com nossa concepção da dignidade humana. Pertence inteiramente a algum outro lugar.

Hoje, temos que reaprender o antigo acordo com a sabedoria da natureza e retomar a consciência de nossa fraternidade com os animais, a água e o mar. Dizer que a divindade modela o mundo e todas as coisas é condenado como panteísmo. Mas panteísmo é uma palavra enganadora. Sugere que um deus pessoal supostamente habita o mundo, mas a ideia em absoluto não é essa. A ideia é transteológica, de um mistério indefinível, inconcebível, admitido como um poder, isto é, como a fonte, o fim e o fundamento de toda a vida e todo o ser.


Joseph Cambell "O poder do Mito" on-line http://mitologia.com.sapo.pt/campbell.pdf

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